18 de janeiro de 2011

Destino existe? - (Parte 1)

Em síntese: O Destino ou Fato era reverenciado e temido pelos mitólogos gregos pré-cristãos, que consideravam a rigidez de certas leis da natureza e a inclemência do curso da história, indomável ao homem. A filosofia platônica atenou o conceito de Destino, identificando-o com o Bem, que deve reger todas as coisas. Todavia o estoicismo restaurou o conceito sombrio de Destino, associando-o à noção de causalidade necessária: os acontecimentos da história estariam inexoravelmente encadeados entre si numa sucessão de causas e efeitos, causas e efeitos (...) - O Cristianismo rejeitou qualquer tipo de destino, força cega que governaria as sortes dos homens; reconhece, sim, a Providência Divina, sábia e santa, que acompanha o homem com bondade e amor através dos tempos. Em conseqüência, o cristão não crê em despachos, "trabalhos", horóscopo, números azarentos, amuletos (...) Jesus Cristo libertou a humanidade de toda forma de medo supersticioso, despertando nos discípulos o senso da confiança no Deus que criou o homem para o levar ao consórcio da sua bem-aventurança.
Muitas pessoas pensam em destino como força que cegamente as impele a tal ou tal desgraça; apavoram-se com isto e, apavoradas, mais se precipitam na desgraça. Há quem atribua aos astros o poder de dirigir a vida humana, definindo as sortes de cada um. Em suma, a crença no destino assume diversas modalidades que podem afligir o público, mas carecem de fundamento.
Procuraremos examinar a questão sucessivamente à luz das concepções pagãs e na ótica do Cristianismo.
O DESTINO NO MUNDO PAGÃO
Em grego, a palavra equivalente a Destino é éproméne, derivada de poro, realizar, fazer que algo chegue ao seu tempo. Também se usam os vocábulos eirmarméne, ananke e moira, sendo que moira significa parte ou partilha. O Destino seria a parte ou a partilha que é definida para cada ser humano por um poder superior. - Em latim, usa-se a palavra fatum, do verbo fari, dizer, donde fatum vem a ser "o que é dito em tom definitivo e irrevogável".
Distingamos entre Mitologia e Filosofia na Grécia antiga.
Mitologia
O Destino (moira) era personificado. Trazia seus símbolos, que significavam a sua índole de necessidade cega e força inelutável. Sobre a cabeça tinha uma coroa ornamentada com estrelas; a coroa era o indício do poder ... poder que era cego, pois ignorava as leis; daí dizer-se que o Destino era filho da Noite. Nas mãos o Destino tinha um certo, sinal de sua realeza; podia também trazer nas mãos uma urna, que continha as sortes dos seres humanos ou uma balança, na qual eram ponderadas e avaliadas a história e o curso de vida de cada ser humano. Ao lado do Destino, havia uma roda presa por uma corrente para mostrar a imutabilidade dos decretos do Destino; existia também um livro no qual esses decretos estavam redigidos desde todo o sempre e no qual os deuses iam ler os acontecimentos futuros. Debaixo dos pés do Destino, achava-se a Terra, setor que ele dominava. O Destino, em suma, podia tudo, exceto mudar os seus decretos; o que estava escrito, ficava escrito fatalmente. Jamais o Destino se arrependia. Os seus desígnios eram incompreensíveis aos humanos e até ao próprio Destino; ele pairava acima dos deuses da mitologia.
Pergunta-se: qual seria a razão pela qual os antigos chegaram a conceber uma figura tão misteriosa como responsável pelas sortes dos homens ? A pergunta é justificada, pois em nossos dias se admite que os mitos eram portadores de algum significado ou de alguma filosofia de vida. - A resposta está no fato de que o homem pagão se sentia incapaz de compreender o sentido da vida e inepto para reger suas sortes. Isto o levava a supor a ação de uma força estranha e superior atuando sobre os acontecimentos de sua existência de maneira absolutamente impenetrável.
A Filosofia Greco-romana
A Filosofia abrandou, em parte, o conceito de Destino, procurando torná-lo mais compreensível e humano. A razão foi dissipando as notas apavorantes do Destino da Mitologia, em benefício de concepções religiosas mais apuradas e lógicas.
1) Assim Pitágoras (+ 500 a.C.) e sua escola procuravam nos números e na harmonia dos números a explicação de todas as coisas. Em conseqüência, identificavam o Destino com as leis dos números e da harmonia; a matemática e a música ditavam os decretos que regem a vida dos homens.
2) Para Platão (+ 347 a.C.), a idéia do Bem absorve a do Destino. O Bem é o Princípio de todas as coisas; ele vem a ser o Destino, a força dominadora, boa e suave. Escrevia Platão no seu Timeu 29s:
"Ele (a Divindade) era bom; e aquele que era bom, não tinha modalidade alguma de inveja ou ciúme. Eis por que ele quis que todas as coisas fossem, tanto quanto possível, semelhantes a Ele mesmo. Todo aquele que, instruído por homens sábios, admite isto como razão principal da origem e da formação do universo, estará dizendo a verdade".
Até mesmo o mal tem seu lugar na harmonia do universo, segundo Platão, e concorre para o bem. É algo de necessário, como se depreende dos dizeres seguintes :
"O mal não deixará de existir, ó Teodoro; é impossível que ele deixe de existir. O bem terá sempre o seu contrário; assim o quer a necessidade (ananke). É certo que o mal nunca terá sua sede entre os deuses; mas, a natureza mortal e esta região do universo, ele as envolverá sempre" (Teeteta 176).
O perfeito não pode existir sem o mal, mas este acabará sempre por se transformar em bem; cf. República X 613; Leis IV 715s.
3) Na filosofia estóica, que começa no século IV a.C., o conceito de Destino se torna mais rigoroso e sombrio, pois é associado ao de causalidade necessária. Sim; para os estóicos, o universo está sujeito à lei dos encadeamentos necessários, que liga causas e efeitos. Toda causa tem seu efeito infalível, e este, por sua vez, se torna causa necessária para o acontecimento seguinte. Mais: toda causa procede da série de todos os acontecimentos anteriores e traz em si mesma a marca de cada um deles.
Esta teoria do Destino suscita, por sua vez, a teoria da adivinhação: com efeito, se os acontecimentos estão concatenados entre si e os posteriores se seguem necessariamente aos anteriores, está claro que quem conhece um acontecimento, pode prever todos os subseqüentes (contidos na causa como em sua matriz); assim se pode anunciar o futuro, segundo a arte da adivinhação. Esta não é privilégio da Divindade.
Em conseqüência, a oração se torna inútil. Os estóicos, em particular Sêneca, a rejeitavam, aos menos diante dos grandes acontecimentos da história, que são absolutamente inelutáveis. Acontece, porém, que a rejeição da prece (espontânea como é a todo ser humano) não foi sustentada com a mesma convicção por todos os estóicos; alguns distinguiam entre "necessidades maiores (fata maioria)" e "necessidades menores (fata minora)"; estas poderiam ser conjuradas mediante a oração.
Em suma, os estóicos se compraziam em admirar o invencível poder do Destino, que levava todos os seres ao seu termo final, fazendo do mundo uma cidade bem policiada. O Destino seria a razão (Logos) que, dispondo tudo com ordem e medida, faz do mundo inteiro uma obra de arte perfeita e bela.
Pergunta-se, porém: onde fica a liberdade de arbítrio do ser humano nesse universo tão belo? O determinismo e o fatalismo das causas encadeadas não permitem que o homem trace por si mesmo a sua linha de conduta. Esta conclusão preocupou Cícero (+ 43 a.C.), que na sua obra De Fato (Sobre o Destino) reivindicou os direitos da liberdade e preferiu a liberdade de arbítrio do homem ao cego poder do Destino.
O PENSAMENTO CRISTÃO
Observações Gerais
O pensamento cristão é essencialmente contrário à existência de qualquer força cega que empurre o homem a agir deste ou daquele modo. Entre Deus e as criaturas humanas não há semideuses nem algum ser misterioso que obrigue o homem a fazer algo. Deus criou o homem livre e deixa-lhe a liberdade de opção e ação. Nem mesmo o Maligno ou o Demônio pode coagir alguém a cometer o mal; o demônio pode sugerir o pecado, tentando a criatura humana, mas não pode forçar ao mal.1 Muito sabiamente dizia S. Agostinho que o demônio é como um cão acorrentado, que pode ladrar muito, mas só faz mal a quem se lhe chegue perto. - O mundo pagão antigo admitia o Fato ou Destino, porque tinha concepções imperfeitas a respeito da Divindade; concebia-a à semelhança do homem, o que dificultava entender o que a linguagem cristão chama "Providência Divina", da qual se dirá algo a seguir. O Fato da mitologia é figura fantasiosa ou fictícia, como também o encadeamento cego de causas e efeitos, sufocador da liberdade, é algo de irreal, decorrente do panteísmo estóico, segundo o qual o Logos divino (ou a Razão) é a própria alma do mundo, Jesus Cristo veio libertar o ser humano de todas as crendices e de todos pavores derivados da imaginação e anunciou ao homem que ele é livre, devendo responder diretamente a Deus por suas opções e atividades.
Revista: "PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
D. Estevão Bettencourt, osb
Nº 411 - Ano : 1996 - p. 343

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